Como pensar a crise moderna na antropologia e pensar a fronteira e o orientalismo a partir do filme “A Noiva Síria”. Falar no sentido geográfico histórico e tradicional como coloca Levi-Strauss em A crise moderna da antropologia, lançando um questionamento “quem sabe o conflito entre as velhas e as novas gerações, que países tem experimentado, não são o tributo que precisa ser pago pela crescente homogeneização de nossa cultura material e social?”.
Nesse sentido o filme nos coloca frente ao paradoxo no qual autor salienta, devemos então preservar a cultura como um bem unívoco para um seleto grupo de interessados ou para pesquisadores e cientistas? Ou então a cultura de um povo deve mudar de acordo com suas necessidades objetivas? Como responder esta inquietação? Levi-Strauss coloca de forma pertinente fazendo referência a forma “hibrida” de civilidade(termo meu) que de modo a interpretar descreve de forma fidedigna a própria noiva síria no filme A Noiva Síria.
Esta noiva presa por um emaranhado de significados culturais e tradicionais, é colocada numa situação na qual não se reconhece enquanto noiva nos modos tradicionais estalecidos como se percebe durante o filme.
Permito-me agora colocar em discussão o “Orientalismo” ou alguns de seus aspectos que identifiquei no filme. O primeiro tentarei apresentar como é evidente a relação de poder entre Ocidente e Oriente. Em uma das cenas os personagens se encontram em uma fronteira militar e, que, por sua vez, faz parte do território sírio que foi ocupado por Israel. O que interessante perceber é como isso muda totalmente as relações entre os próprios sírios que se estão cada qual de um lado da fronteira, e como fica evidente esta relação quando a “noiva” tenta transpor essa fronteira.
Um ponto interessante é que para os israelenses que ocupam aquele perímetro fronteiriço o entendem como parte de seu território e, portanto, a língua, e a hegemonia política devem ser a de sua nação. Tudo isso na tentativa de aproximar minha interpretação do que Edward Said chamou de “Orientalismo” do qual é construída e reconstruída a noção hegemônica de Oriente para um público interessado, o Ocidente, que atua como “superestrutura” da mesma forma o autor emprega em seu texto,
Retomemos a discussão de fronteira e como atua na constituição do “novo”. Já fazendo uma ligação com o filme, quanto a existência na mesma família de formas de percepção de mundo tradicionais em contraste com as formas que surgem desse âmbito “fronteiriço”. Homi k. Bhabha nos coloca ante mudanças decorrentes deste processo globalizante, demonstra como ás perspectivas temporais e espaciais se alteram. Como o chamado pós-colonial, que no meu entendimento dialoga com a noção de “hibridismo” apontada por Levi-Strauss. Permito-me agora a citar Bhabha quando ele afima
A pós-colonialidade, por sua vez, é um salutar lembrete das relações “neocoloniais” remanescentes no interior da “nova” ordem mundial e da divisão de trabalho multinacional. Tal perspectiva permite a autenticação de histórias de exploração e desenvolvimento de estratégias de resistência.”( BHABHA, p. 26)
Quando se faz uma análise reflexiva deste filme percebe-se que à proposta de Bhabha cai como uma luva. No decorrer da história, vários personagens demonstram consciente e inconscientemente essa recriação de si ante a uma fronteira. De maneira pontual o autor fala do “além” ao qual estabelece uma fronteira, e por conseguinte onde “fazer-se presente” acompanha uma “re-locação no mundo”.
Isso tudo para falarmos do conceito de estranhamento utilizado pelo autor que é perene no filme, introjetado na figura da personagem principal (a noiva). Da forma mais elementar de estranhamento àquele que ocorre dentro da família e da própria nação.
A questão que não devo deixar passar aos meus olhos sem notar é o feminismo e como este afeta a relação público privado e como é latente no filme essa ralação das mulheres jovens que se encontram frente a um dualismo. De uma lado a moderna perspectiva na mulher ocidental que tem uma atuação difusa e diferente na esfera pública quanto na esfera privada, e sua forma tradicional de vivência, é colocada em xeque abalando de certa forma a relação que está estabelecida com seu marido ou que ainda há de estabelecer-se.
.As ideias de razão e objetividade que permeavam as já consolidadas Escolas da Antropologia e balizavam a forma como se produzia o conhecimento a respeito de uma sociedade. A categoria de ordem a todo momento era lançada como instrumental analítico, como Roberto Cardoso de Oliveira afirma se tratar de uma herança iluminista a crença na razão.
A apropriação da categoria desordem está fundamentalmente ligada a introdução do paradigma “hermenêutico” que mais tarte irá fomentar uma matriz disciplinar. Apresentando elementos que para o autor constituem a categoria desordem, que são eles “a subjetividade o indivíduo e a história”, todos estes elementos constituidores da desordem estão presentes na forma anterior a esta formulação. A categoria de ordem, que por seu turno ás possui porém não de maneira abrandado ou domesticada, estriam por sua vez “neutralizados”. Para conseguir o controle destes elementos se via necessários negá-los na medida em que permaneciam latentes.
A relação estabelecida entre a Antropologia os conceitos de desordem, adquirem formas peculiares de acordo com a escola tratada. Tendo em vista a Escola Francesa e a Britânica percebemos nas duas uma negação da história, porém de maneiras diferentes. Na primeira a história nem se quer faz parte de seus métodos, devida a sedução e a influência exercida pelo evolucionismo histórico que não apenas a neutraliza como a exclui do processo de reflexão, quer dizer, a história não é pensada enquanto variável.
Na Escola Britânica essa relação é devidamente criticada por um ex-evolucinista( não sei encontrei outro termo para defini-lo) o antropologo W.H.R. Rivers faz suas ponderações a respeito desta forma de concepção histórica, posteriormente Radcliffe Brown da continuidade a seu intento e nos apresenta sua forma epistemológica de apreender a história. Para esse autor não se deve levar em consideração a história de um povo tendo em vista constituem especulações acerca do passado e por não estarem munidos de um método e de técnicas, sua interpretação de seu próprio passado é débil ( se me permitem usar este termo).
Na perspectiva Culturalista o indivíduo e a história são trabalhados de maneira sistemática, defrontando o evolucionismo de Taylor. O método culturalista busca diagnósticar processos “sócio-culutrais” com uma preocupação central pelo “indivíduo” e pela “personalidade”,contudo devemos ficar atentos nessa escola a forma como o indivíduo está domesticado pela personalidade e pela organização social o que nos remonta novamente a ordem apresentada logo no início.
A partir desses elementos acima mencionados podemos identificar uma das maiores contribuições do paradigma hermenêutico, a crítica sistemática as “antropologias tradicionais” e seus métodos.
A antropologia interpretativa agora revê o que estava domesticado nas “escolas tradicionais” da nova foma aos elementos de desordem a subjetividade agora liberta das amarras objetivistas, toma forma “socializada” é denominada inter-subjetividade. O indivíduo agora longe dos psicologismos “toma forma personalizada” para assumir a individualidade, a história separada das definições naturalistas apresenta um caráter interiorizado e se assume como historicidade.
Impulsionada por uma condição pós-moderna a antropologia é mais indicada para responder aos anseios de uma sociedade que suspeita de maneira veemente das meta-teorias colocando a herança iluminista agora sob suspeita. Esta percepção representa uma forte ação de desordem.
A instauração de um olhar filosófico sobre o outro que no mais das vezes era percebido de forma muito crassa nas formulações e, a si mesma. Entendo a presença do paradigma hermenêutico na antropologia como um salto qualitativo no que diz respeito ao método, tendo em vista que passa agora a colocar todos como iguais, como “nativos”, isso demonstra não somente uma pequena mudança mas uma larga reformulação na interpretação tanto cultural quanto social,
Por fim concluo minha dissertação com a mesma percepção do autor de que o paradigma hermenêutico “contribui para constituição de um novo estilo de se fazer antropologia”(Oliveira, p.100). Não devemos porém deixar de nos posicionarmos ante aos auspícios inovadores desse novo “modelo”, o qual pode se degenerar num “interpretativismo” (esse também é meu posicionamento, tendo em vista que o método hermenêutico possibilita várias formas legitimas de interpretação).Para a fundação de uma “nova ordem” deve-se antes domesticar a desordem, através da introdução da individualidade, intersubjetividade e da historicidade,que aí para o autor se encontra o “ethos científico”. O enxerto hermenêutico atuaria de forma a enriquecer a antropologia e não como um novo método, no que Roberto Cardoso de Oliveira chama de exercício continuo da suspeita.
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